Brasil tem condições de se tornar potência mundial em corporate venture capital, indicam especialistas; veja conselhos dos grandes CVCs brasileiros
Corporate Venture Capital foi destaque no último dia do South Summit Brazil 2024; confira os principais insights sobre o assunto
O Brasil tem capacidade para se tornar — em pouco tempo — uma potência mundial em corporate venture capital (CVC), modalidade na qual as grandes empresas investem em startups, ideias e soluções inovadoras que se conectem aos seus negócios. A tendência é observada por grandes nomes do segmento e foi destacada nesta sexta-feira (22), no South Summit Brazil, no Cais Mauá, em Porto Alegre.
Uma das evidências, segundo os especialistas, que mostram o potencial do Brasil nesta indústria está em o país figurar entre os 10 com maior número de investimentos de CVC no mundo, em 2023. É a primeira vez de um país latino-americano no ranking mundial de “deals” da categoria. Apesar de estar no radar de novas oportunidades, ainda há muitos espaços a serem explorados para que o protagonismo do Brasil em corporate venture se torne realidade.
Conforme estudo do Global Corporate Venturing Institute, o Brasil tem pouco mais de 80 fundos de corporate venture capital ativos, sendo 75% deles criados nos últimos quatro anos, percentual maior do que a média global (em torno de 40%).
Apesar da presença ainda tímida de corporações investindo em startups por aqui, a inovação aberta passa por evidente fase de crescimento, traduzindo-se em uma oportunidade capaz de gerar impactos significativos para empresas tradicionais que precisam se manter relevantes. É também uma atratividade para as startups, que são o motor da inovação em diferentes setores de negócios.
Conforme Ivana Beltrão, Head of Development do GCV para a América Latina, pensando no cenário dos últimos anos, de queda no número de investimentos e redução dos valuations, o mercado percebeu que a atividade do CVC é perene, porque as corporações precisam inovar de forma constante. Segundo ela, a maior parte dos CVCs criados nos últimos três anos no Brasil já nasceram com recursos e alguma independência em relação à corporação, e tendo que entregar resultados financeiros, mas também resultados estratégicos — fator relevante, que mercados de outros países até mais antigos em CVC estão praticando somente agora.
“Se a gente pensar que na largada o Brasil já nasce criando suas unidades de CVC com uma estratégia mais robusta, independente, com garantia de continuidade e entregando valor para a corporação, significa que nos próximos anos temos uma grande chance de estar em destaque não só em número de deals, mas também entre os maiores investidores em CVC”, destacou Ivana Beltrão.
O mercado favorável faz com que empresas de renome façam seus próprios fundos de investimentos, como a Eurofarma, que atualmente investe em startups early stage de saúde digital e já montou um portfólio de 10 investidas em quatro anos. Outro exemplo interessante e que demonstra otimismo para o segmento no país vem de João Pedro Meduna, fundador do L4VB, fundo de R$ 600 milhões que conta com a B3 como investidor único.
“Buscamos investir em startups com capacidade de maximizar o retorno de investimentos com base no relacionamento e know-how da B3. Já temos sete investimentos realizados no Brasil e no exterior e com 20% do capital já comprometido. Estamos animados para o que está por vir”, sinaliza.
Especialistas compartilham estratégias e conselhos para futuros CVCs
Eduardo Sperling, diretor da gestora de capital de risco Ahead Ventures, aponta que para ter sucesso em CVC é preciso haver muito preparo para conseguir extrair valor dessa iniciativa de inovação. “Você não está fazendo um fundo de VC apenas patrocinado pela corporação, mas você tem necessidades específicas para que esse projeto tenha sucesso”, afirma.
Conforme o especialista, a primeira grande reflexão que as corporações devem fazer é a de entender que ele não vai resolver todas as dimensões dos problemas de inovação da corporação por meio do CVC. “Essa é uma iniciativa que vem junto de outras iniciativas para que a empresa tenha uma janela para o futuro do negócio. E é importante que haja uma autonomia, mas a estratégia não se distancie da lógica da operação. A companhia precisa estar confortável com esse tipo de investimento”, afirma.
Outra dica de ouro do executivo é que ao se tornar sócio de uma startup, essa empresa consiga absorver insights que vão além apenas do produto que a startup está entregando. “Consiga ter um relacionamento forte e acesso às informações que não teria se não fosse sócio da startup. Para ter só o produto, bastava ser cliente”.
Mateus de Abreu, diretor de estratégias digitais da Randoncorp também compartilhou insights que podem ser úteis para quem está começando um CVC: o alinhamento de expectativas sobre o negócio é importante, mas talvez mais importante ainda seja como direcionar a cultura da empresa para essa conexão com o ambiente das startups e investidas.
“Não queira abrir um programa de relacionamento com startups só porque todo mundo está fazendo, alinhe a expectativa com os executivos, esteja bem patrocinado, prepare sua empresa para inovar, porque o CV é um “core” estranho ao negócio. E encontre bons parceiros corporativos, sua empresa não precisa se aventurar sozinha nesse processo, porque essa é uma jornada cheia de altos e baixos”, considera.
Um dos investimentos mais bem-sucedidos da Randoncorp é a Motorista PX, que conecta caminhoneiros autônomos e transportadoras de cargas. A entrada no negócio ajudou a corporação a transformar sua jornada de servilização e encaixar a proposta em mais de uma unidade de negócio com a solução embarcada. “Em 2024 temos expectativa de que 60% do volume de negócios gerados pela PX passem a circular dentro do banco Randon”.
Wana Schulze, head de investimentos e portfólio Wayra e Vivo Ventures, destacou que quando o fundo da companhia se conecta a uma startup, busca identificar se tem alguma sinergia com o negócio: “a gente prefere investir em startups em que a gente consiga acelerar comercialmente”, justifica.
Essa consolidação se dá sob duas alavancas: fazer a distribuição do produto, porque a empresa tem canais muito fortes tanto em B2C quanto no B2B; ou uma segunda possibilidade é de a Vivo ser cliente dessa startup.
“Nem sempre o investimento é a melhor forma de ajudar um negócio, e, às vezes, identificamos startups que não se encaixam na nossa tese de investimento ou que o retorno não vai ser o que a gente espera, mas que pode se tornar um ótimo parceiro para a Vivo”, conta.
Segundo a executiva, nesses casos a startup vai para a Wayra, que desenvolve e fomenta esses negócios entre as startups e a Vivo. Um dos cases mais significativos nessa estratégia vem da Trocafone, startup de compra e revenda de celulares usados, que a Vivo acabou se tornando uma espécie de fornecedora, ajudando a captar telefones usados que podem ser arrumados e revendidos.
Como conquistar os melhores acordos
Stefanie Ng, diretora da Qualcomm Ventures, com mais de 350 startups investidas em todo o mundo, incluindo unicórnios brasileiros como 99 e QuintoAndar, diz acreditar no conceito de “inteligência conectada”, indicando que teses relacionadas a internet das coisas, inteligência artificial e realidade virtual são bons mercados para os corporate venture capital ficarem de olho. “Olhe as estratégias não só do ponto de vista de soluções, mas de retorno financeiro, conhecimento, talentos e de inovação para o negócio ser bom para ambos os parceiros”, explica.
Gustavo Cavenaghi, da Kortex Ventures, que reúne Grupo Fleury, Sabin e Bradesco, afirma que a perspectiva de um bom negócio sempre deve gerar resultados não só em termos financeiros para o investidor, mas que seja capaz de gerar valor para o empreendedor. “Não tem outro jeito para conquistar os melhores deals”.
Parabéns!