A diversidade na liderança deixou de ser um diferencial e se tornou uma necessidade estratégica. Empresas que apostam em equipes diversas têm registrado melhores resultados financeiros, maior inovação e um ambiente corporativo mais saudável. Mas, afinal, o que está mudando na prática dentro das empresas que têm mulheres na tomada de decisão?
De CEOs a CFOs, de especialistas em RH a executivas de tecnologia, mulheres líderes estão promovendo mudanças concretas e muitas vezes silenciosas no mundo corporativo. Elas estão redefinindo a forma como as equipes trabalham, inovam e geram valor para os negócios – indo muito além de cumprir cotas ou metas de diversidade.
O impacto pode ser visto em diferentes áreas: nas relações entre departamentos, na transformação da cultura interna, na criação de benefícios mais inclusivos, na flexibilidade para reter talentos e até no modelo de negócios das empresas. São mudanças que, quando analisadas em conjunto, revelam uma nova mentalidade de gestão – mais colaborativa, estratégica e centrada em resultados sustentáveis. Para entender essa transformação, executivas de diferentes setores compartilharam suas experiências e insights sobre o impacto real da presença feminina em cargos de liderança.
Gestão colaborativa e o impacto na operação
Aos 29 anos, Daniela Nery é Diretora de Growth, Chief Revenue Officer (CRO) e sócia da FindUP, uma scale-up especializada em soluções seguras para demandas de suporte de TI. Sua trajetória na empresa começou em julho de 2021, como analista de marketing. Apenas quatro meses depois, foi promovida a coordenadora e, em janeiro de 2023, assumiu a diretoria.
Desde então, Daniela tem sido peça-chave na transformação da cultura interna da empresa, promovendo uma gestão mais colaborativa entre as áreas de Growth e Operação. Antes de sua chegada ao cargo, esses departamentos atuavam de forma isolada – e muitas vezes conflitavam. “A Operação e o time de Vendas, por exemplo, viviam em um ringue de boxe. Em muitas empresas, existe essa disputa entre diretores dessas áreas, isso é bem comum. Aqui, eu trabalho junto com o diretor de operações, e só conseguimos trazer contas incríveis porque atuamos em conjunto”, explica.
Seu primeiro movimento como diretora foi mudar essa dinâmica de rivalidade. Em vez de apontar culpados quando surgem problemas, Daniela implementou um modelo onde ambos os times trabalham alinhados desde o início. “A gente não se relaciona com job descriptions, a gente se relaciona com pessoas”, defende. Hoje, qualquer vendedor que queira fechar um contrato fora do perfil usual da empresa precisa antes consultar a equipe de operações. “O resultado é um fluxo mais eficiente e uma FindUP mais integrada e, consequentemente, mais competitiva”. Desde que Daniela assumiu a liderança, em janeiro de 2023, o time expandiu seu market share em setores estratégicos, como o da saúde, por exemplo.
Diversidade como motor de inovação
Daniela Martins, atual CHRO e CMO da Franq, fintech pioneira no Brasil ao criar um ecossistema no qual bancários possam trabalhar de forma autônoma, fez uma longa carreira em multinacionais antes de entrar na fintech em 2021. Atuando diretamente com recrutamento de talentos e formação de lideranças, ela viu de perto o impacto do exemplo a partir da diversidade nos quadros de diretoria nas empresas. Daniela destaca que a maternidade ainda é um “divisor de águas” na carreira de muitas profissionais, que acabam tendo que fazer escolhas e, por vezes, deixam de lado o sonho de crescimento profissional. No entanto, ver lideranças femininas conciliando carreira e família trouxe um impacto relevante:
“Eu me lembro até hoje de ter participado de uma ação promovida por um banco, no Dia Internacional da Mulher, que era uma conversa com uma Vice-Presidente do banco e com uma CEO na Jordânia. As duas estavam falando como era o dia a dia numa grande organização, com cargos importantes, e também como conciliavam sem culpa o cuidado com os filhos. E ver isso verbalizado foi muito importante, para eu me espelhar e ver que tinha a possibilidade de uma progressão de carreira”, lembra Daniela, que hoje também é mãe e carrega esse exemplo para as equipes que gerencia.
Para ela, infelizmente pouco mudou nos últimos anos em relação às ações para uma maior diversidade nos quadros de liderança no Brasil. Na Franq, ela conta que a empresa já nasceu com um DNA de diversidade e tem 50% dos postos de gerência ocupados por mulheres, algo que nem sempre é acompanhado no mercado financeiro, embora relate que adotarem metas para contratação de mulheres em ações de RH.
“A gente só quer um um espaço mais inclusivo porque a sociedade deve ser assim. Ao manter dificuldades para a ascensão de mulheres aos postos de liderança, o mercado perde por não ter times mais diversos, que enxergam os desafios de formas diferentes”, completa.
Liderança feminina e a criação de ambientes inovadores
No setor de tecnologia para a indústria têxtil, a Audaces, multinacional ítalo-brasileira, se destaca por sua forte aposta na liderança feminina. Hoje, 43% da diretoria executiva é composta por mulheres. Nayana Barcki Fernandes, diretora Financeira Global da marca, é uma dessas lideranças. Com mais de 17 anos de trajetória na empresa, a executiva destaca que, aos poucos, as empresas têm compreendido que a diversidade e o bem-estar geram mais resultados.
“Acredito que a liderança feminina traz um olhar mais empático e atento às necessidades de diferentes grupos. Na indústria criativa, isso se traduz em soluções mais inclusivas e inovadoras. Uma liderança diversa permite que a empresa abrace diferentes perspectivas, criando um ambiente mais colaborativo e inovador”, comenta.
Além disso, a transformação promovida por lideranças femininas impacta o clima e o engajamento da empresa, favorecendo a implementação de uma gestão humanizada. “Mulheres na liderança priorizam o bem-estar dos funcionários e o equilíbrio entre a vida social e pessoal. Destaco o cuidado com o bem-estar como a principal ação que praticamos na Audaces. Procuramos oferecer um ambiente agradável e organizado, com benefícios que facilitam o dia a dia de nossos colaboradores”, finaliza.
Diversidade como diferencial competitivo
É fato que a diversidade no ambiente corporativo não é um tema apenas no Brasil, mas especialmente relevante em empresas do mundo inteiro. Atuando de perto com soluções que envolvem negócios no exterior e internacionalização de empresas, Caroline Lenzi, Chief Human Resources Officer (CHRO) da WTM, empresa especializada em importação e exportação de serviços de tecnologia, vê a diversidade como um fator estratégico para companhias que querem expandir sua atuação no mercado internacional..
“É uma mudança sutil, mas muito relevante, de que a diversidade deixou de ser apenas um discurso e passa a influenciar o negócio, mostrando a importância de termos experiências e visões diferentes, e claro que mulheres em posições de liderança contribuem para isso. Empresas voltadas à inovação precisam dessa pluralidade para se atentar ao mercado e suas dores e, entregar soluções que façam sentido”, afirma
Responsável pelo setor de RH da empresa, Caroline destaca que hoje a WTM tem uma equipe igualitária e, em relação às gerências, mulheres ocupam cerca de 40% dos postos, chegando a mais de 80% nas áreas que lidam diretamente com os clientes. Essa diferença, segundo a profissional, reflete um entendimento de que a orientação voltada a resultados também vem acompanhada de um atendimento humanizado e uma atenção especial às dores dos clientes em busca de inovação. No entanto, o resultado também surge internamente, em um ponto que Caroline vê no bem-estar das equipes.
“Nenhuma empresa consegue crescer ou ter resultados se os colaboradores estão desengajados e esgotados. E eu vejo, pela minha experiência, que essa sensibilidade e o cuidado com as pessoas que buscamos nas lideranças contribuem para a cultura de colaboração e, consequentemente, trazem resultados. É extremamente importante perceber que a questão de ter mais mulheres ocupando os cargos não é apenas uma questão de representatividade, mas que ter uma equipe mais diversa em termos de culturas, nacionalidades, experiências e visões traz resultados concretos para a inovação”, finaliza.
Flexibilidade e transparência para reter talentos
Hoje sócia e CFO da Versi, real estate fintech especializada em soluções para incorporadoras no segmento econômico do mercado imobiliário, Gisele Schafhauser entrou na empresa em 2017 como controller, vindo de experiências no setor de controladoria e auditoria em outras empresas no Paraná e Santa Catarina. Começando como a primeira mulher contratada no negócio, quando a Versi era um familly office e nem tinha um escritório ainda, ela cresceu na carreira e hoje é uma das líderes da fintech que acumula em seu portfólio obras que somam R$ 4,2 bilhões em Valor Geral de Vendas (VGV).
A Versi hoje possui um quadro de funcionários diverso e, no âmbito dos C-Level, três das cinco cadeiras são ocupadas por mulheres. Para Gisele, que viu isso acontecer desde o início, foi um processo orgânico nascido de um objetivo claro de ter um espaço de trabalho transparente, flexível e aberto a conversas.
“O mercado da construção civil ainda é muito masculino, e eu me acostumei a trabalhar em lugares em que eu precisava levantar a voz para ser ouvida. Falo com muito orgulho que na Versi construímos um lugar em que isso não é necessário, e acredito que organicamente esse espaço contribui para o perfil das nossas contratações e das nossas lideranças”, destaca.
Para ela, um dos claros resultados trazidos pela diversidade encontrada hoje na empresa é o espaço de diálogo transparente, seja para os assuntos diretamente ligados às atividades do trabalho, com clientes, ou para temas ligados ao bem-estar das equipes e questões de fora do escritório que, de alguma forma, afetam sempre a vida das pessoas. Esses pontos ganham uma importância ainda maior quando se pensa no ambiente de trabalho para mulheres e mães, em que a flexibilidade genuína é um fator de grande importância , sem olhares atravessados no escritório ou cobranças se a colaboradora precisa ir ao médico, por exemplo.
“É difícil dizer o que veio primeiro, mas a criação do ambiente que eu vi se desenvolvendo aqui dentro sem dúvidas propiciou o meu crescimento e fez com que eu chegasse ao lugar de sócia, de CFO. Esse ambiente de conversas honestas abre espaço para o desenvolvimento de novas lideranças, e vejo que muitas empresas perdem essa oportunidade por não estarem abertas”, completa.
O papel na transformação da cultura corporativa
A cesta de benefícios pesa na escolha dos talentos por uma empresa. Para Julia Locks, COO da Guapeco, HRtech pioneira em benefício corporativo pet no Brasil, a liderança feminina e a presença de mulheres no meio corporativo têm contribuído para inovar e ampliar o leque de benefícios disponíveis no mercado. A executiva aponta que várias políticas, como benefícios voltados à saúde feminina, programas de suporte para mães, como o auxílio-creche, treinamentos sobre assédios no ambiente de trabalho e incentivo ao desempenho profissional de mulheres, foram desenvolvidas e implementadas por incentivo de mulheres, sendo um meio importante para promover uma maior igualdade no mercado de trabalho.
A diversidade na Guapeco aconteceu de forma natural. O time de sócios-fundadores é composto por duas mulheres brancas e um homem negro, todos com experiências anteriores em empresas que priorizavam a diversidade. “Percebo que as mulheres têm uma facilidade em conseguir transformar o ambiente de trabalho em diverso. Isso não é algo planejado, simplesmente acontece quando há uma mulher na liderança. A própria Guapeco é um exemplo disso, construímos um ambiente com uma diversidade de pessoas e pensamentos, que, com o olhar feminino e nossas vivências, foi se moldando. Observando empresas que são dirigidas por homens, esse movimento não é algo tão forte ou natural”, comenta Julia.
Entre as principais mudanças na gestão de pessoas, Julia aponta que a produtividade não pode mais ser medida apenas por horas trabalhadas, mas sim pelas entregas e pelo impacto dos colaboradores no negócio. “Gestores precisam estar antenados a essa mudança, trazendo um trabalho com horários flexíveis, cultura remota e benefícios relacionados à saúde física e mental. Vejo que as mulheres líderes estão mais abertas para essas mudanças, talvez por terem um olhar mais criativo e empático, saindo da caixa de concreto que muitos ambientes corporativos representam”.
Apesar dos avanços, a desvalorização ainda é um desafio, afetando principalmente a autoestima. “Muitas mulheres são subestimadas, não são promovidas, recebem salários menores e se sentem inferiores. Recentemente, li que mulheres só aceitam cargos de liderança quando acreditam ter 100% das habilidades exigidas, enquanto homens aceitam com 60%. Ainda temos um longo caminho para alcançar igualdade e diversidade nas lideranças”, afirma Julia.
Diversidade e educação financeira no mercado de criptoativos
Segundo Tássia Skolaude, CMO do MB | Mercado Bitcoin, maior plataforma de investimentos em ativos digitais da América Latina, a diversidade tem ajudado a reescrever a narrativa do mercado de criptoativos; setor que, por muito tempo, foi visto como um espaço para poucos. “A presença de mais mulheres na liderança trouxe um novo olhar, conectando o setor a um público mais amplo e ajudando a construir credibilidade para esse ecossistema”, afirma Tássia.
Outro ponto importante vem sendo a expansão da educação financeira. “Com mais mulheres em cargos de decisão, o setor passou a priorizar produtos mais acessíveis, simplificando o investimento e eliminando barreiras de entrada”, aponta a especialista. “O foco mudou: em vez de falar apenas com quem já conhece o mercado, estamos criando oportunidades para quem está chegando agora. E isso impacta diretamente a vida real. A independência financeira das mulheres é um divisor de águas na redução da violência doméstica, por exemplo. Ter controle sobre o próprio dinheiro e acesso a oportunidades muda completamente o jogo. Se queremos uma sociedade mais segura e justa, garantir autonomia econômica para as mulheres tem que ser uma prioridade.”
Para Tássia, muitas empresas já perceberam que diversidade e impacto social não são apenas um selo, mas um motor real de inovação e performance. O grande diferencial, segundo ela, agora está na execução dessas iniciativas. “Muitas vezes ainda se trata diversidade como um ‘compromisso social’ ou um tema de compliance, mas já está mais do que comprovado que times diversos tomam decisões melhores, inovam mais e geram mais valor de mercado”, ela destaca. “E diversidade é muito mais que gênero: idades diferentes, origens sociais diversas, formações acadêmicas variadas, tudo isso enriquece o pensamento e traz perspectivas novas. No fim das contas, diversidade é a base da inovação. E quem não inova, morre. Algo que a gente já sabe há tempos.”
Gestão estratégica de pessoas e impacto organizacional
Desde que assumiu a direção de RH da Zucchetti Brasil, Ana Paula Socha transformou o setor em um agente estratégico de crescimento, redefinindo a gestão de pessoas e alinhando a cultura organizacional aos objetivos da multinacional. Antes de integrar a multinacional italiana, Ana Paula construiu sua trajetória na Compufour, em Concórdia. Em 2020, com a aquisição da Compufour pela Zucchetti, a executiva assumiu a liderança da área na nova estrutura.
Desde então, implementou uma gestão orientada por competências e resultados, dando voz ativa ao RH na definição dos objetivos estratégicos da empresa. “O RH precisa estar presente desde o planejamento, garantindo que cada projeto seja acompanhado de pessoas alinhadas não apenas às competências técnicas, mas, principalmente, à cultura e aos valores da organização”, explica.
Com essa abordagem, a Zucchetti fortaleceu a colaboração entre as áreas. Iniciativas como a redefinição dos critérios de seleção, treinamentos focados na integração cultural e campanhas internas para disseminação dos valores da empresa transformaram o ambiente organizacional.
Além disso, a implementação de práticas de feedback estruturado e monitoramento constante da percepção emocional também surtiram efeito: hoje, 85% dos colaboradores avaliam a Zucchetti como um local emocionalmente saudável para trabalhar. “É essencial promover um ambiente de confiança e suporte mútuo”, complementa Ana Paula.
Diversidade como diferencial estratégico
Lideranças femininas estão promovendo mudanças profundas nas organizações por meio da diversidade. Para Talita Matos, fundadora e CEO da Singuê, consultoria de diversidade, equidade e inclusão, essas transformações começam de dentro para fora. “Quando fundei a Singuê, meu propósito era criar um espaço que refletisse a diversidade que eu queria ver no mercado. Nosso time é majoritariamente composto por mulheres negras, o que não só amplia perspectivas internas como também serve de exemplo para as organizações que atendemos”.
Para ela, uma das mudanças mais significativas que ocorre no mercado é a forma como as empresas estão adaptando suas comunicações e políticas internas para acolher diferentes perfis de profissionais, movimento que tem gerado um ambiente de pertencimento que aumenta a retenção de talentos, especialmente entre grupos sub-representados no mercado. Talita observa que a diversidade na liderança influencia diretamente nas estratégias desenvolvidas para as organizações atendidas pela Singuê.
“Criamos metodologias que consideram múltiplas perspectivas culturais e sociais, o que resulta em soluções mais abrangentes e eficazes para nossos clientes. Isso só é possível porque nossa liderança interna reflete a pluralidade que queremos impulsionar no mercado”, afirma. Outro aspecto é a capacidade das mulheres na liderança de enxergar e priorizar o bem-estar e o desenvolvimento humano de forma integrada às estratégias de negócio, abordagem essencial para criar ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos.
Apesar dos avanços, Talita avalia que o potencial inovador da diversidade na liderança ainda é subestimado pelo mercado. “Muitos enxergam a diversidade apenas como um cumprimento de cotas, sem perceber o quanto ela potencializa a criatividade e a assertividade nas decisões estratégicas. As soluções se tornam mais eficazes quando refletem a realidade complexa da sociedade e dos consumidores, justamente por contemplarem múltiplas perspectivas”.